quarta-feira, 31 de outubro de 2012


UMA CARTA ABERTA EM VÉSPERAS DE DESESPERO

 
Senhor(a) Deputado(a)

Saúde!

Num momento em que Portugal se vê confrontado com graves dificuldades (históricas dificuldades) cujas origens não caberia aqui descrever, pois teríamos umas dezenas de anos a recontar – e, não menos importante, revisitar a História e a formação do Espaço Económico Europeu bem como identificar a natureza e “substância” da solidariedade europeia; cabe-vos a missão de apreciar o Orçamento do Estado, instrumento necessário à correcta governação do País, nos termos e nos limites da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Ficando, desde já, a nota de que, como certamente sabeis, se o documento é necessário – tornando-se, pois, exigente a sua análise e consciente e independente a tomada de posição individual sobre ele – não é, contudo, exigível que qualquer documento tenha de estar pronto a 1 de Janeiro de 2013! Sempre se pôde viver em regime de duodécimos, vindo isto à colação porque há por aí uns alertas de que cairá o “carmo e a trindade” se o OE não tiver publicação com vigência na entrada do ano. Este é um engodo. E os Portugueses não querem engodos!

 O vosso múnus decorre de uma delegação de poderes do Povo, o tal que é soberano e a que deveis o encargo de o representar mas, sobremaneira, honrar com a vossa inteligência, diligência e proficiência e independência.

Heis-de permitir a transcrição – que vai sublinhada e que podereis sublinhar também com o à-vontade que a delegação que vos foi conferida permite (diria mesmo: exige) – do artigo da CRP

 
Artigo 3.º
(Soberania e legalidade)

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.

3. A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.

 
Destaca-se no texto, a negrito, que as Leis (todas elas) só são válidas se conformes a este texto FUNDAMENTAL. Pelo que qualquer acto praticado pela Assembleia deve-lhe obediência estrita.

 Assim, antes de qualquer atitude individual ou colectiva – estou a pensar no Orçamento de Estado - há que relembrar em que condições a tal delegação do Povo deve ser exercida. Pelo que se translada, ibidem, o texto que segue:

  

Artigo 155.º
(Exercício da função de Deputado)

1.     Os Deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores e à sua informação regular.

… … …

Em consequência – e concomitantemente – o apelo à “disciplina de voto” (essa coisa horrorosa inventada pelos “aparelhistas” partidários para fazerem valer a razão da força quando lhes falece a honestidade intelectual) ofende gravemente a CRP, quer na dimensão da liberdade dos Deputados quer na de usurpação do mandato conferido pelo Povo (o tal em que reside a soberania e a quem V.Exª deve o múnus que detém e que não admite “disciplinas” de voto). Não bastando a ofensa, sendo um “mecanismo” contrário à independência de V.Exª, exigida pela Lei Fundamental, torna NULO o acto em que tal tenha ocorrido, acto impugnável em qualquer instância judicial! (Aliás o Presidente da República deve estar atento a estas ilegalidades aparelhísticas para, prima facie, se tiver um assomo de exaltada dignidade, devolver à origem (isto é, ao Parlamento) qualquer diploma “aprovado” neste pressuposto).

Outrossim, agora que se fala de REFUNDAÇÔES, há-de V. Exª ter em conta que os poderes de que está revestido (o revestimento é sempre revertível) lhe competem, nos termos da CRP; bem como lhe dão garantia e fundamento para o cometimento de outros actos abaixo elencados e cuja extracção se fez do mesmo texto fundamental.

De entre estes poderes, não deixamos de relevar o de participar e o de intervir nos debates parlamentares, esperando de V. Exª a representação do Povo com o exercício pleno e nas condições que nos permitimos ter respigado até aqui. O mesmo é que dizer, com aturado e honesto estudo dos assuntos e suas consequências para o Povo; com acção – e não com inacção “desmotivada” como as reportagens da TV tantas vezes nos deixam ver – e proposta de alternativas consequentes, exequíveis, justas e morais, consentâneas com a dignidade humana (esqueci-me de trasladar o artº 1º da CRP – mas V. Exª tem-no, certamente, de memória). Mas não vá dar-se o caso de estarmos a ler coisas diferentes sempre “avanço” com o dito:

 

Artigo 1.º
(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Permita-me que o tenha todo sublinhado, porque aos bocadinhos “não dá”! É que tem uma coerência intrínseca que seria estultícia deixar de sublinhar algum pouco do arrazoado que nele se contém.

 Visto o que há um empenho – ali referido - que não pode escamotear-se, a menos de se rasurar a CRP, pois ele é frontispício (ele, o artº 1º) da Lei Fundacional (aqui, sim, é fundacional!). Sabe V. Exª tão bem como eu – ou melhor, passe a minha imodéstia, por favor – que é crime ofender o dito texto, por actos ou omissões. Reforçadamente quando nos vossos poderes – como Assembleia da República - se plasma que a execução do OE será por vós fiscalizado, e, especificamente referida, a Conta da Segurança Social! É porque nela deve haver especial atenção para evitar a corrosão da República (que se baseia na Dignidade Humana, reitero por palavras minhas) cujo argamassa tem uma sociedade livre, justa e solidária como ingredientes da sua construção. (passe a linguagem mais lhana dos alvenéis).

No seu formato de texto legal, a fiscalização de que falava tem a seguinte aparência:
 

Artigo 107.º
(Fiscalização)

A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, que, precedendo parecer daquele tribunal, apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social.

 
Nota: Há aqui um lapsus calami dos Constituintes ao escrevinhar minusculamente a sobredita Segurança Social.

Concernente ao vosso Estatuto, V. Exª não responde, entre outras coisas, disciplinarmente pelos votos ou opiniões que emitir no exercício das suas funções! Caso em que exercite, como decorre do mandato que o Povo lhe conferiu, a sua oratória como expressão da inteligência detida por V.Exª (aqui não houve delegação do Povo, que às vezes não tem culpa dos dotes que o Supremo lhe atribuiu para com eles fazer render talentos). Importa, mesmo, que exercite a oratória e o voto – depois do estudo aturado das questões (e não da non chalance que, enganadoramente, por certo, o canal ARTv transmite de alguns mais concentrados representantes do Povo – passando a imagem: parece, por vezes, que rezam o terço enquanto o prior se desunha na homília). Mas, como referia, segue o fundamento em letra de Lei.

Artigo 157.º
(Imunidades)

Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.

Não sei já se isto vinha a propósito da ”disciplina de voto” – esse mecanismo de diminutio capitis inventado nos escaninhos dos aparelhos paralítico-partidários, que não vivem de debates mas de ideias fixas e irredutibilidades caviladas. Mas deixei esta ressalva legal de forma a dar cobertura àqueles de Vossas Excelências que possam, por ventura (ou desventura) ser mais sensíveis ao assédio dos furher grupais – por aqui, designar-se-iam por machos-alfa os determinados, os assertivos! Assim, pode V.Exª descansar e acenar com este pequeno extracto de prosa legitimadora da independência que pretenda exibir no areópago. (Acho que ficou claro, até aqui, que a obediência ou imposição das ditas “disciplinas” partidárias são comináveis legalmente, maiormente, pelo texto FUNDAMENTAL / FUNDACIONAL. (Para não reiterar a nulidade dos actos praticados na sua sombra! Claro?)

O texto da CRP não dá descanso – pois havia de dar…e mesmo assim!

Até vai ao pormenor de explicitar quais os deveres de V. Exª!

Artigo 159.º
(Deveres)

Constituem deveres dos Deputados:

a) Comparecer às reuniões do Plenário e às das comissões a que pertençam;

b) Desempenhar os cargos na Assembleia e as funções para que sejam designados, sob proposta dos respectivos grupos parlamentares;

c) Participar nas votações.

Deixo o sublinhado, pois parece-me que a mudez e a ausência de posição não cabem na semântica estrita do enunciado! É assim como pro memoria, que não deve procrastinar-se!

Em termos grupais, tem V. Exª competências que se inscrevem na CRP, de que faço o seguinte respigo, com a vénia devida.

 
Artigo 161.º
(Competência política e legislativa)

Compete à Assembleia da República:

a) Aprovar alterações à Constituição, nos termos dos artigos 284.º a 289.º;

 … … …

d) Conferir ao Governo autorizações legislativas;

… … …

g) Aprovar as leis das grandes opções dos planos nacionais e o Orçamento do Estado, sob proposta do Governo;

h) Autorizar o Governo a contrair e a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, definindo as respectivas condições gerais, e estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada ano pelo Governo;

 
Não fosse algum alvenéu ser eleito com iliteracia funcional, deixaram, os Constituintes, elencadas as competências de fiscalização da Assembleia (fosse lá isso preciso hoje em dia, em que se mandam emigrar os letrados pois já cá temos muitos, mormente, com equivalências - que isso ainda era o menos…agora “distraídos” que se inventam habilitações académicas…isso incorre no foro da falsidade de declarações e má-fé, coisitas, contudo, desculpáveis a jovens líderes).

Artigo 162.º
(Competência de fiscalização)

Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização:

a)     Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração;

b)    … … …

c)      … … …

d)    … … …

e)     Apreciar os relatórios de execução dos planos nacionais.

 

 
Repare-se, V. Exª feita birdwatcher na bancada parlamentar! A vigiar pelo cumprimento da CRP e das Leis e a apreciar os actos do Governo (esta faz-me lembrar a exigência que se fazia para admitir as ditas uniões de facto e que consistiam em pôr o Presidente da Junta a garantir a união de facto! Só como watcher!). Ora as Leis ainda se fabricam na AR…agora vigiar os actos do Governo!! Mas é o que está cometido a V. Exª, ainda que lhe custe, tem de o fazer (Estará, V. Exª, agora a ver o que cometeram ao Presidente da Junta: entrar na intimidade da coisa, como diria o Álvaro, para poder atestar por sua, dele, honra!). Mas que tem de vigiar tem! E isso exige saber e saber fazer! O Governo não pode andar “à rédea-solta” como sói dizer-se - passe a hipérbole, p.f. – pois poderá estar a exorbitar (vamos ver se nos lembramos de tudo o que, da CRP, trasladei para este texto, desde o artº 1º) e V. Exª tem a obrigação CONSTITUCIONAL (FUNDACIONAL) de zelar pela referida.

Os anteriores Constituintes – em cujas cadeiras V. Exª se assenta – deixaram limites e alfozes às competências do Governo – algumas das quais só poderão ser exercidas por EXPRESSA autorização de V. Exª e dos seus pares. (Não esquecer que em tudo se trata de delegação do Povo). Assim, razoaram o que segue.

 
Artigo 165.º
(Reserva relativa de competência legislativa)

1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

a) Estado e capacidade das pessoas;

b) Direitos, liberdades e garantias;

… … …

f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;

… … …

i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;

… …

t) Bases do regime e âmbito da função pública;

u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;

… … …

5. As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.

Pelo que fica escrito, podemos requerer, reforçadamente, a V. Exª, que compagine o que se vos anda a propor em termos de OE com este rol de reservas e suas condicionantes; não vá dar-se que, por mera distracção, diga-se com justiça, se venha a confrontar o delegante com a inépcia incúria ou menor percepção do delegatário no tratamento do articulado orçamental – é que pode haver ENORMES DESVIOS entre o texto e a semântica (ou a representação numérica) ou mesmo a FUNDAÇÂO da proposta – pois têm vindo à colação argumentários científicos (vamos lendo por tal) que dizem que o preto é branco e que, vice-versa, o branco é preto (no domínio das cores). O que sabemos, de ciência certa, é que de onde se tira não há reposição possível! E uma vez arrombadas as portas…é fartar vilanagem! (Isto é só um aviso a requerer-vos o exercício de competências com saber ou sólido conselho – aqui o Borges não deve rubricar pois são poucos os que dele recebem atestado de sapiência).

No que concerne a FUNDAÇÔES, já tivemos uma em 1143-10-05 (repare-se a coincidência: 5 de Outubro! E não consta que o Afonso o tenha instituído feriado, verdade?) com o Tratado de Zamora! Depois de muita espadeirada! A mais recente decorreu do 25-4 (ainda é feriado!) e estatuiu-se a reserva de iniciativa fundacional, de forma mais pacífica.


A minha preocupação está em ter a certeza da compreensão de V. Exª para o alcance das normas constitucionais! Há-de perdoar-me o atrevimento, pois sou só um cidadão do Povo, o tal com dignidade e em que reside a soberania!

 
Aceite V. Exª os protestos da minha consideração enquanto e como representante da gente do meu País.

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