segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

OS VELHOS E A CONSTITUIÇÃO ... e as aleivosias do Governo (?)


Eu não disse?! Agora reúnem-se os sábios de hermenêutica constituinte – nomeadamente os que peroraram junto do Governo (?) elaborando rebuscados pareceres sobre aplicações “retrospectivas” de leis novas – rasteira aqui denunciada sobre a “semelhança” fonética com “retroactividade” para que os menos dotados de capacidade auditiva no ratton entendessem diferentemente as lucubrações rascunhadas – (verdade que eles também se revêem na “retrospectividade”!); e da maneira “usual” (no sótão de algum terreiro do paço mais consentâneo com o recato devido à conspiração) vão gerar a “reforma” do sistema previdencial! Eles e mais uns “experts” na coisa! Ou seja, mais umas marteladas nas alíneas declaradas inconstitucionais pelos Meritíssimos … para ver se isto “passa”!

Mas o carrego do chumbo denunciava a natureza avulsa das medidas preconizadas! Exigir-se-ia uma reforma aprofundada do sistema em apreço e não medidas soltas que apenas se destinavam a colmatar problemas orçamentais e não a promover qualquer justiça equânime (passe a redundância, pois Justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu – o que aqui se tem repetido).

E parece que este conselho de sábios vai parir em tempo utilíssimo uma gigantesca tarefa que exigiria um debate claro, longo, medido, comparado, amadurecido…

Vê-se que valeu a espórtula dos pareceres, pois ela determinou novo encargo e uma promoção na escala dos saberes que não tem igualha!

Quando se trata de arremendar…há sempre um remendão de serviço com sovela e avental apropriado!

Mas a questão, a vexata quaestio é saber, prima facie, o que queremos do Estado! E da resposta se inferirão as restantes problemáticas!

Não passa pela cabeça de nenhum ajuizado jurisconsulto ou expert (disto, daquilo ou de outra coisa qualquer) propor soluções para uma componente sem se perceber o que se pretende do todo!

…sem prejuízo do comando constitucional:

Artigo 63.º
(Segurança social e solidariedade … 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. …“

Ora se todo o Estado se organiza em função do Cidadão – centro de toda a produção normativa, máxime constitucional – é do Cidadão que deve cuidar-se, primariamente, e não de saber se deve ou não cortar-se mais ou menos nas prestações sociais integradas no sistema de segurança social.

O que determina que não deve ser um mero problema orçamental a atender e em torno dele fazer uma construção hipócrita e simulada de refundação do sistema previdencial, arguindo falaciosamente para defender a encomenda – pois os problemas orçamentais não advêm do sistema previdencial, antes o têm como alvo a derruir com prejuízo da correcção, noutras áreas de intervenção do Estado, das medidas do governo (?) que têm levado ao desmando das contas, e de forma ignóbil, do sistema previdencial/segurança social que, conforme publicações correntes, NUNCA obtiveram do Estado/Governos (?) a comparticipação determinada em Lei!

Pelo que se pôs em causa a natureza constitucional do Estado – (Estado de Direito Democrático, artigo 2º da CRP -), o princípio (corolário) da confiança e a dignidade humana que constitui alicerce da República, nos termos do artigo 1º, ibidem!

Neste momento, o tal conselho de sábios - que sobrestão em lucubrações referentes ao sistema previdencial – ofende, pela sua imediata e própria organização, o artigo 63º da Constituição que atrás se transcreveu em parte: onde estão as “associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários” que, pela norma, deverão participar na organização e coordenação do sistema?! Será que a dita “Concertação Social” vai ser chamada à colação?! Quando, em que estádio da redacção e para quê?!

Todavia, sempre se desconfiará de tal iniciativa, na sequência do aresto que determinou a inconstitucionalidade dos cortes das pensões. Pois a primeira emenda ao OE2014 que foi proposta para análise pelo Governo (?), relembra a transitoriedade da CES – qualidade que justificou anterior “passagem” no Tribunal Constitucional – e reza:

“Resulta do exposto, portanto, que a CES consiste numa medida transitória, de natureza excecional, cuja manutenção no ordenamento jurídico se encontra dependente da verificação dos pressupostos de facto e de direito que inicialmente justificaram a sua criação.”  [in Proposta de Lei n.º 193/XII]


Ora a manterem-se os pressupostos de facto e de direito, será sempre possível ao Governo (?) fazer invocação, “ad aeternum”, do mesmo aresto permissivo, nada fazendo no contexto que adequaria o sistema a uma Justiça efectiva como corolário do Estado de Direito Democrático. É uma questão de boa-fé, diga-se, que deve presidir às medidas, num Estado social e psicologicamente são, governado por decência axiológica! E não desgovernado por gente azaranzada sem informação/formação.



Ora o acórdão do Tribunal Constitucional proferido em decorrência do pedido de verificação preventiva da constitucionalidade da Lei de “convergência” das pensões ( Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII

) é claro:

 


ACÓRDÃO Nº 862/2013


Em Plenário do Tribunal Constitucional


Fiscalização preventiva das normas do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII
 
"III . DECISÃO
 
Atento o exposto, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII, com base na violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.”
 
Para quem estiver interessado, sempre deixo um substancial respigo. É uma delícia! E vá lá, rapaziada do Conselho de Sábios, sempre será necessário muito trabalhinho e não apenas medidas avulsas para dar constitucionalidade à redacção! Diria mesmo mais: vão pensando, se fazem o favor, de ver que medidas podem ser tomadas para o constitucional financiamento dos sistemas previdenciais sem ser sempre a "morder" nos mesmos! Quando o trabalho não existir, como vai ser?! Pensem um pouco! Estamos a tratar da vida de um Povo que se não quer escravo do ágio?! (O sr. Olie Rehn é um extraterrestre a soldo de quem?! E avassalamo-nos?!). Vamos fartar-nos de rir quando vierem os ditos testes de stress sobre a banca alemã e dos demais países nórdicos e centristas!! Veremos então qual a crise a justificar toda esta tranquibérnia de dissolução do Estado Democrático!
 
Segue o referido respigo (com a vénia devida e os sublinhados nossos). Vale a pena ler e VER devagarinho! É que nem tudo o que parece é! Desculpem lá o tamanho da coisa, mas é o que dá os Meritíssimos terem de rebater as leviandades dos governantes (?) em prol dos indefesos que nós somos (os descartáveis!)! Mas não desistam da leitura para ver com que linhas nos andam a querer coser!
 
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A – Normas objeto de fiscalização.do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII


… … …


5. As normas questionadas são as alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII, que “Estabelece mecanismos de convergência de proteção social, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, à alteração do Decreto-Lei n.º 478/72, de 9 de dezembro, que aprova o Estatuto da Aposentação, e revogando normas que estabelecem acréscimos de tempo de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa Geral de Aposentações”.


É o seguinte o teor das normas em causa:


«Artigo 7.º 

Norma transitória e de adaptação 

1 - As pensões atribuídas pela CGA, até à data da entrada em vigor da presente lei, são alteradas, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, nos seguintes termos: 

a) As pensões de aposentação, de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a € 600,00, fixadas de acordo com as fórmulas de cálculo sucessivamente em vigor do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, bem como as fixadas de harmonia com regimes especiais previstos em estatutos próprios ou noutras disposições legais ou convencionais, têm o valor ilíquido em 31 de dezembro de 2013 reduzido em 10%; 

b) As pensões de aposentação, de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a € 600,00, fixadas com base nas fórmulas de cálculo sucessivamente em vigor do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 52/2007, de 31 de agosto, 11/2008, de 20 de fevereiro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, têm o valor ilíquido do P1 recalculado por substituição da remuneração (R), inicialmente considerada, pela percentagem de 80% aplicada à mesma remuneração ilíquida de quota para aposentação e pensão de sobrevivência;

c) As pensões de sobrevivência de valor global mensal ilíquido superior a € 600,00, fixadas de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, têm o valor global ilíquido em 31 de dezembro de 2013 reduzido em 10%;
d) As pensões de sobrevivência de valor global mensal ilíquido superior a € 600,00, fixadas simultaneamente de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, e com as regras do regime geral de segurança social, são recalculadas por aplicação do disposto na alínea b) ao valor ilíquido do P1 da pensão de aposentação, reforma ou de invalidez que têm por referência».


26. … …


“De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela cons­tantes não possam contar; e ainda

 b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da propor­­cionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).


Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.


Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção”.


27. …


34. … … …

 Com o reconhecimento, ou desde que se encontrem reunidos todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento, o direito à pensão entra na esfera jurídica do aposentado com a natureza de verdadeiro direito subjetivo, um «direito adquirido» que pode ser exigido nos termos exatos em que for reconhecido. O artigo 66.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, define os direitos adquiridos como sendo «os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais relativos ao seu conhecimento». Estes direitos ganharam já vestes de direitos com um conteúdo preciso e definido: são «direitos perfeitos, fechados»; por estarem preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o seu reconhecimento, «o beneficiário viu entrar na sua esfera jurídica um direito subjetivo com contornos exatos, estando em situação de exigir do Estado a prestação que lhe é devida» (cfr. Luísa Andias Gonçalves, ob. cit.).


O direito à pensão, enquanto direito adquirido, fundado na lei, com existência real, material, individualizado e incorporado no património do aposentado, a vencer mensalmente, em princípio, está mais protegido em relação a quaisquer modificações legislativas posteriores. Aí, o princípio da tutela dos direitos adquiridos, positivado nos artigos 20.º e 66.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, representa o acolhimento no plano infraconstitucional da ideia tuteladora do princípio constitucional da proteção da confiança. Neste contexto, referem Jorge Miranda e Rui Medeiros que, “quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente é o controlo da proteção da confiança” (ob. cit., pág. 643).



Nesse sentido, refere-se no Acórdão n.º 187/2013:

«Chegado o momento em que cessou a vida ativa e se tornou exigível o direito às prestações, o pensionista já não dispõe de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta às novas circunstâncias, o que gera uma situação de confiança reforçada na estabilidade da ordem jurídica e na manutenção das regras que, a seu tempo, serviram para definir o conteúdo do direito à pensão.

Por outro lado, é legítima a confiança gerada na manutenção do exato montante da pensão, tal como fixado por ocasião da passagem à reforma. Sobretudo porque o nosso sistema é um sistema de benefício definido, em que se garante a cada pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os vencimentos de referência.

E isso reflete-se também na tutela do investimento na confiança, que, sem dúvida, é de presumir ter existido por parte do titular do direito, e que decorre, não propriamente do facto de o pensionista ter efetuado contribuições enquanto trabalhador ativo – já que o nosso sistema é financiado por repartição e não por capitalização – mas da circunstância de, contando com o caráter definido do benefício, poder não ter sentido, justificadamente, a necessidade de se precaver por outras formas quanto a uma possível perda de rendimentos».



As expectativas merecedoras de tutela são, assim, obviamente mais fortes no caso dos pensionistas que já são beneficiários de uma pensão atribuída com base nas regras definidas no momento relevante do cálculo da mesma, ou seja, na altura da passagem à situação de aposentação.


35. É inequívoco que os destinatários das normas questionadas são titulares de um direito à pensão já constituído e consolidado na sua esfera jurídica e que dispõem de expectativas legítimas de receberam mensalmente o montante da pensão a que têm direito.

E o Estado, no exercício da função legislativa, ao longo do tempo foi impulsionando e enraizando a ideia de segurança e confiança na manutenção, e até atualização, do quantum de pensão que foi fixado na «resolução final» que lhe reconheceu o direito à pensão (cfr. artigo 97.º do Estatuto da Aposentação). 

Pela evolução do regime de pensões, verifica-se que o legislador, sempre que interveio nesse regime, em sentido mais desfavorável aos subscritores e pensionistas, quer quanto às condições de aposentação quer quanto à fórmula de cálculo, teve o cuidado de salvaguardar as situações jurídicas, seja em formação seja já constituídas.


As quatro leis de bases gerais do sistema de segurança social publicadas ao abrigo do artigo 63.º da CRP estabeleceram sempre um princípio da salvaguarda dos direitos adquiridos e em formação: «o desenvolvimento e a regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo de legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação» (cfr. artigos, 73.º da Lei n.º 24/84, de 14 de agosto; 104.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto; 121.º da Lei 32/2002, de 20 de dezembro; 100.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

 E esse princípio sempre foi respeitado na sucessiva legislação que gradualmente foi impondo condições mais gravosas para os subscritores e beneficiários do sistema providencial da CGA.


O primeiro diploma que na prática fez diminuir a taxa de substituição das pensões desse sistema foi a Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro, que deduziu à remuneração relevante para o cálculo da pensão a percentagem de quota para efeitos de aposentação e de sobrevivência, o que originou uma redução de 10%, com reflexos inevitáveis no valor da pensão em igual medida. A taxa de substituição, que traduz a relação existente entre o valor da primeira pensão e o valor da última remuneração, viu-se assim reduzida de 100% para 90%. Mas, a fim de se proteger as expectativas jurídicas dos pensionistas e subscritores que à data reuniam as condições legalmente exigidas para a concessão de aposentação, essa redução de 10% não lhes foi aplicada.


De igual modo se verificou com a introdução da nova fórmula de cálculo das pensões, constante do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que foi composta por duas parcelas, uma para o tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005 (P1) e outra para o tempo posterior a essa data (P2), precisamente para assegurar os direitos e expectativas das carreira contributivas já consolidadas. Acresce que o artigo 7.º dessa Lei não deixou de ressalvar a aplicação do regime anterior a quem à data reunia a condições de aposentação. 

E o mesmo ocorreu com a aplicação de fator de sustentabilidade no cálculo da pensão, com a fixação do limite máximo de pensão, correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais (Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto) e com o reporte a 31 de dezembro de 2005 da remuneração de referência da P1, em substituição da última remuneração (Lei n.º 66-B/2012, de 20 de dezembro). Em todas estas situações de agravamento do montante da pensão, o legislador criou direito transitório, que inseriu nos respetivos diplomas, estatuindo que as pensões que estivessem a ser abonadas à data da sua entrada em vigor não sofreriam qualquer redução de valor.


E no que se refere propriamente ao «regime de proteção social convergente», onde se incluem os destinatários das normas questionadas, o n.º 4 do artigo 29.º da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, relativo à regulamentação da convergência, vincula o legislador a manter o “nível de proteção” existente antes da convergência: «a regulamentação referida no n.º 2, prevê se, em casos concretos, e em qualquer das eventualidades, dela resultar nível de proteção inferior ao assegurado pelo regime de proteção social da função pública anteriormente em vigor, é mantido esse nível de proteção através da atribuição de benefícios sociais pela entidade empregadora». Esta norma estabelece um limite material ao poder do legislador de modificar em sentido regressivo a regulamentação protetora existente na função pública, um verdadeiro mecanismo de «standstill» que se opõe à modificação dos direitos sociais em forma de regressão.

Mas também os chamados “direitos em formação” foram sempre tidos em conta, através da previsão de regimes transitórios ou de entrada em vigor gradual. Assim, por exemplo, quando a lei estabeleceu condições mais gravosas para o acesso à aposentação ordinária e antecipada, convergindo com o regime geral quanto à idade (que passou de 60 para 65 anos) e ao tempo de serviço (que passou de 36 para 40 anos), fê-lo de forma progressiva ao longo de 10 anos, aumentando 6 meses em cada ano, de modo a atenuar a frustração das expectativas de quem estava próximo de reunir as condições legais para aposentação a coberto do anterior regime. O regime de transição originariamente estabelecido na Lei n.º 60/2005 de 29 de dezembro criou expectativas no sentido de que seria essa a forma de transição para a convergência a realizar no futuro.


Assim, a convergência dos sistemas de proteção tem vindo a ser efetuada de forma gradual, com salvaguarda das posições jurídicas já constituídas e em formação, prevendo-se inclusive períodos de transição entre regimes sucessivos com alguma dilação temporal e mantendo sempre intocadas as pensões já atribuídas. Ora, com este modo de alteração do regime de aposentação, o Estado, nomeadamente o legislador, encetou comportamentos capazes de gerar nos pensionistas «expectativas» fortes, fundadas em boas razões de que o quantum de pensão não seria diminuído.

36. Os visados pelo artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII são os pensionistas que foram inscritos na CGA (o que sucedeu até 1993), e entretanto aposentados. Trata-se, assim, de um grupo de destinatários muito específico – os atuais pensionistas beneficiários de pensões da CGA já em pagamento. As pessoas que compõem o universo dos afetados com a medida estão em situação de especial vulnerabilidade, já que, devido à sua saída da vida ativa, não possuem a mesma facilidade de readaptação a condições económicas mais exigentes. De facto, face a um decréscimo do rendimento que até então auferiam, os destinatários destas medidas estão, nomeadamente pela idade avançada ou pela incapacidade, impedidos de refazer as condições de vida, ou de obter fontes de rendimento complementares. Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão n.º 369/97 e reafirmado no Acórdão n.º 187/2013: “ a passagem à situação de reforma e a dependência dos sistemas de pensões constituem frequentemente um importante fator de vulnerabilização e de precarização da vida das pessoas idosas”.


O mesmo se pode dizer, de resto, no que toca às pensões de invalidez e de sobrevivência. Também as pessoas abrangidas por essas pensões não estão em condições de se adaptar a uma mudança do montante das mesmas, e do qual dependem.


Ora, os destinatários da medida em causa têm vindo, desde o momento da reforma, a gerir o seu dia a dia com base num determinado rendimento, que tinham para si como um rendimento fixo, já que o nosso sistema atual é baseado no sistema de benefício definido, em que se garante a cada pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os vencimentos de referência (cfr. Acórdãos n.ºs 353/12 e 187/2013). Tendo em conta esse rendimento fixo, e acreditando na estabilidade do mesmo, os pensionistas poderão mesmo ter assumido diversos compromissos que se podem tornar inviabilizados com tal medida, deixando-os assim na impossibilidade de cumprir os mesmos.


E perante a sucessiva legislação que aumentou a idade de reforma, o período contributivo e as regras de cálculo de pensão, com salvaguarda de direitos, enquanto subscritores e futuros beneficiários, os atuais pensionistas também puderam fazer planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade de um determinado regime que julgavam mais favorável. É razoável aceitar que a confiança na manutenção de um determinado regime legal pode ter sido determinante na opção irreversível que fizeram pela aposentação numa determinada data. Quem, por exemplo, fez a opção pela antecipação da aposentação, sujeitando-se a uma taxa de redução de 4,5% e 6% sobre cada um dos anos em falta para a idade legalmente prevista, certamente confiou que a pensão mensal vitalícia que iria receber não sofreria mais reduções; e quem, reunindo as condições para tal, optou pela aposentação para beneficiar da taxa de substituição relativamente à remuneração relativa ao tempo de serviço prestado até 2005 (P1), por certo que também se sentirá injustiçado por ver que lhe alteraram as regras de cálculo da almejada pensão. De igual modo, não custa admitir que as expectativas fundadas em comportamentos positivados do Estado, no sentido da continuidade da forma de cálculo da pensão vigente à data da aposentação, tenha sido determinante na não opção de investimento em sistemas de proteção complementar, precisamente porque julgaram legitimamente que os rendimentos que aufeririam seriam suficientes para sustentar o nível de vida pretendido e as obrigações económicas e financeiras entretanto assumidas.



37. Neste contexto, a redução das pensões operada através do artigo 7.º do Decreto n.º 187/XII é uma medida regressiva que mina a confiança legítima que os pensionistas têm na manutenção do montante de pensão que foi fixado com base na legislação vigente à data em que se aposentaram. A garantia da manutenção do montante de pensão foi logo afirmada no momento em que a pensão foi fixada pela resolução final da CGA, a qual regulou «definitivamente» o direito à pensão e o seu montante e, como referimos, continuou assegurada nas sucessivas modificações e limitações do regime de cálculo das pensões, nas quais foram dados sinais claros e expressos em letra de lei de que o montante da pensão se manteria intangível.


Nas reformas destinadas à convergência do regime geral da segurança social com o regime de proteção social da função pública, o direito à pensão em pagamento foi sempre salvaguardado, criando o Estado expectativas de que os chamados “direitos adquiridos” não seriam afetados. Daí que os pensionistas, embora possam contar com nova atividade legislativa na matéria, não possam legitimamente esperar medidas avulsas que abruptamente interfiram nas posições jurídicas já consolidadas e que, na terminologia dos Acórdãos n.ºs 187/2013 e 396/2011, contrariam a “normalidade anteriormente estabelecida”.


Acresce que a confiança que os pensionistas depositam no sentido de inalterabilidade das regras que serviram de base ao cálculo da pensão e do valor da pensão que foi fixado no momento da aposentação resulta também da natureza contributiva do sistema previdencial. Mesmo que não exista uma correlação direta entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir, como acima se referiu, o direito à pensão não só pressupõe o cumprimento da obrigação contributiva, como também constitui uma prestação de substituição do rendimento de trabalho (cfr. artigos, 50.º e 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e 12.º e 22.º, n.º 2, da Lei n.º 4/2009, de 28 de janeiro).


Nessa medida, o subscritor efetua descontos sobre o vencimento tendo em vista uma pensão cujo valor reflete proporcionalmente as remunerações que constituíram a base de incidência contributiva. E daí que se entenda que o direito a um certo montante de pensão, que foi formado em função de determinada remuneração mensal, tenha que ter uma proteção de especial densidade. Se também é uma contrapartida do valor pago ao longo da carreira contributiva, sem o qual não se teria formado, mais se acentuam os valores da estabilidade, confiança, continuidade e segurança jurídica que devem garantir a pensão validamente adquirida e consolidada. De facto, e como referiu o Acórdão n.º 474/2013 em relação à "preservação do emprego”, também no contexto da perspetivação do direito à pensão se pode afirmar que “dificilmente se encontra grau de investimento pessoal superior àquele que incide sobre a preservação do trabalho, valor essencial para a (…) obtenção de condições de existência ao sustento próprio e do agregado familiar” – na vida ativa e também depois dela, acrescenta-se agora.



38. Cumpre agora avaliar se a diminuição do valor das pensões dos beneficiários da CGA estatuída no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII é justificada, à luz do princípio da proteção da confiança, pelo interesse público prosseguido por tal medida.


Não é esta a primeira vez que o Tribunal procede à ponderação entre os direitos e expetativas de pensionistas e as necessidades de imposição de sacrifícios financeiros. Com efeito, no seu Acórdão n.º 187/2013, o Tribunal teve de analisar uma medida de redução do valor de pensões já atribuídas à luz do princípio da proteção da confiança, considerando o seguinte:


«As razões de interesse público a que aí [- no Relatório do Orçamento do Estado para 2013 -] se pretendia aludir radicam, por outro lado, nas conhecidas dificuldades de conjuntura económico-financeira e na necessidade de adoção de medidas de consolidação orçamental, de que – segundo se afirma – depende a própria manutenção e sustentabilidade do Estado Social.


No plano de análise em que nos colocamos, tudo ponderado, face à excecionalidade do interesse público em causa e o caráter transitório da medida, pode ainda entender-se, no limite, que a supressão de 90% do subsídio de férias aos pensionistas não constitui uma ofensa desproporcionada à tutela da confiança, justificando-se uma pronúncia no sentido de não desconformidade constitucional por referência a esse parâmetro de aferição.» (pág. 39)

Estas razões, todavia, não procedem no caso vertente.

Desde logo, porque, como mencionado, a consolidação orçamental plasmada no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII vem reportada exclusivamente a uma parte do sistema público de pensões – ao regime previdencial da CGA -, e não ao sistema público de pensões ou ao Estado social globalmente considerado. Consequentemente, é a proteção da confiança de certos pensionistas – aqueles que são afetados - que tem de ser considerada e confrontada com a posição dos demais pensionistas. Por outro lado, a medida ora em análise não é temporária, mas antes de duração indefinida, uma vez que a respetiva reversibilidade, embora admitida, se encontra dependente da evolução favorável de variáveis macroeconómicas diretamente relacionadas com o aumento da capacidade de financiamento do défice estrutural do sistema de pensões da CGA por via de transferências do Orçamento do Estado (cfr. o artigo 7.º, n.º 6 e 7, do Decreto n.º 187/XII).


39. A questão que o quarto “teste” ou “requisito” da metódica aplicativa do princípio da proteção da confiança suscita no caso sub iudicio é a de saber se o interesse público na diminuição das transferências do Orçamento do Estado em vista do financiamento do défice estrutural da CGA – pois é nisto que se cifra a consolidação orçamental operada pelo artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII - justifica a redução das pensões dos beneficiários da mesma CGA.

E a resposta não pode deixar de ser negativa, fundamentalmente por duas ordens de razões.


Em primeiro lugar, porque, em virtude de opção político-legislativa – aliás não contrariada no Decreto n.º 187/XII -, o sistema de pensões da Caixa foi fechado a novas inscrições a partir de 1 de janeiro de 2006 (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro). Consequentemente, a partir dessa data, o «ónus da insustentabilidade financeira» de tal sistema a que se refere a exposição de motivos deixou de poder ser imputado apenas aos seus beneficiários, atuais ou futuros; tal ónus foi assumido, desde a referida data, coletivamente, como um dos custos associados à convergência dos regimes previdenciais no âmbito do sistema público de segurança social. É por isso que, em derrogação do princípio estabelecido no artigo 90.º, n.º 2, da Lei n.º 4/2007, 16 de janeiro (a Lei de Bases da Segurança Social) - concretizado no Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro -, se prevê, relativamente ao regime da Caixa, o cofinanciamento de prestações como as pensões de aposentação e de sobrevivência mediante “transferências do Orçamento do Estado” (cfr. o artigo 22.º, n.º 3, da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro).


Com efeito, um sistema previdencial fechado à inscrição de novos subscritores, a médio e longo prazo deixa de ser um sistema autofinanciado e autossustentado. É que a relação entre o número de subscritores e o número de beneficiários vai decrescendo à medida que aqueles se aposentam, até se chegar à situação limite de inexistência de subscritores. O decréscimo contínuo desta taxa de dependência acaba por se traduzir no financiamento da Caixa por transferências do Orçamento de Estado, com a consequente transformação do regime contributivo num regime não contributivo. O horizonte para um sistema destes nunca poderá ser a autossustentabilidade, precisamente porque há certeza de que o sistema tem que ser financiado externamente. Neste sistema, fechado a novos subscritores, a redução de pensões não é uma medida que por si só tenha capacidade para salvaguardar a sustentabilidade do sistema. Com efeito, o autofinanciamento da CGA já está comprometido com a insuficiência das quotizações para pagar as pensões existentes no momento do seu pagamento e não é a redução de pensões que o vai salvar. A redução de pensões não é uma medida com virtualidade para garantir a sustentabilidade de um sistema que, por ser fechado, é em si mesmo insustentável a médio e longo prazo. Com tal característica, o sistema tem que recorrer necessariamente aos impostos ou a formas de financiamento por capitalização, pois o recurso a técnicas de repartição, em que as receitas atuais financiam as despesas com os atuais pensionistas, já não pode garantir a sua sustentabilidade.


Em segundo lugar, e decisivamente, não podem sacrificar-se exclusivamente os direitos dos pensionistas da CGA em função das invocadas razões de consolidação orçamental, já que é legítimo que os pensionistas de qualquer um desses dois regimes se considerem titulares de um direito à pensão com igual consistência jurídica: do ponto de vista constitucional, os pensionistas de um ou outro dos dois sistemas são tão-somente pensionistas do Estado, competindo a este garantir o sistema para cujo financiamento aqueles contribuíram nos termos legalmente exigidos; tanto mais que o sistema de segurança social garantido pelo Estado deve ser um sistema unificado (cfr. o artigo 63.º, n.º 2, da CRP). Isso mesmo foi assumido na exposição de motivos quando se refere que os dois regimes previdenciais são «na sua essência, públicos, pois foram instituídos, são geridos e garantidos financeiramente pelo Estado, enquadram-se no 1.º pilar de proteção social, isto é, asseguram o grau de proteção com prestações substitutivas de rendimentos do trabalho, e têm natureza legal, dado que a sua configuração é moldada unilateral e imperativamente pelo legislador, diversamente do que sucede nos regimes complementares e na poupança individual, que têm fonte convencional ou contratual»


Deste modo, eventuais desigualdades ao nível da disciplina legal dos dois regimes públicos vindas do passado e com reflexos financeiros no presente não podem ser corrigidas apenas em função das dificuldades de um desses regimes e com sacrifício exclusivo dos direitos constituídos dos respetivos beneficiários.


Sendo necessário – e o Tribunal não discute essa necessidade - alargar o «ónus da insustentabilidade financeira do sistema» - sistema entendido, neste contexto, como qualquer uma ou ambas as componentes do sistema público de pensões que ao Estado cabe organizar e garantir de harmonia com a Constituição e a Lei de Bases da Segurança Social - aos atuais beneficiários, procedendo a reduções e recálculos de pensões já atribuídas, as soluções a equacionar não podem deixar de ser perspetivadas em termos do sistema público globalmente considerado, exigindo respostas que salvaguardem a justiça do mesmo sistema, tanto no plano intrageracional como no plano intergeracional.


Soluções sacrificiais motivadas por razões de insustentabilidade financeira dirigidas apenas aos beneficiários de uma das componentes do sistema, designadamente aquelas que são preconizadas no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 187/XII, são, por isso, necessariamente assistémicas ou avulsas e enfermam de um desvio funcional: visam fins – evitar, com o sacrifício exclusivo dos pensionistas da CGA, o aumento das transferências do Orçamento do Estado – que não se enquadram no desenho constitucional de um sistema público de pensões unificado. O critério enformador de tais soluções – a «convergência», entendida como reposição de alguma igualdade, nomeadamente ao nível da «taxa de substituição» – é objetivamente contraditório com a legitimidade e as boas razões da confiança anteriormente criada a tais beneficiários no tocante à continuidade do valor das pensões que lhes foram atribuídas.



40. Tanto mais que não se afigura que as normas questionadas conduzam a uma efectiva e real convergência: a redução em 10% das pensões atribuídas de acordo com o regime de cálculo do Estatuto da Aposentação e o recálculo da primeira parcela da pensão correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de agosto de 2005 através da substituição da remuneração inicialmente considerada pela percentagem de 80%, em relação às pensões fixadas com base na fórmula definida pela Lei n.º 60/2005, não configura uma estrita medida de convergência de pensões.


Até ao momento, a convergência de pensões em vista ao estabelecimento de um regime unitário de segurança social foi essencialmente instituída pelo Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de agosto, que determinou que a pensão de aposentação dos subscritores da CGA inscritos a partir de 1 de setembro de 1993 passasse a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social e pela falada Lei n.º 60/2005, que, para além de ter determinado a inscrição obrigatória no regime geral da segurança social do pessoal com vínculo de relação de emprego público que tenha iniciado funções a partir de 1 de janeiro de 2006 (artigo 1.º), pretendeu efetuar uma aproximação gradual das condições de aposentação dos subscritores da CGA ao estabelecido no regime geral (artigo 3.º) e passou a efetuar o cálculo da pensão de aposentação para os subscritores inscritos até 31 de agosto de 1993 (que ainda se regiam pelo Estatuto da Aposentação) com base na conjugação de duas parcelas em que se considerava, de um lado, o regime do Estatuto da Aposentação em relação ao tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, e, de outro, o regime aplicável no âmbito do subsistema previdencial da segurança social relativamente ao tempo de serviço posterior (artigo 5.º). Ainda nesse plano releva a introdução, no cálculo da pensão de aposentação, do fator de sustentabilidade correspondente ao ano de aposentação, através da nova redação dada ao artigo 5.º da Lei n.º 60/2005 pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto.


E não pode deixar de reconhecer-se que qualquer desses diplomas tem o efeito prático de aproximar o regime de proteção social da função pública ao regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e ao cálculo das pensões, mesmo em relação àqueles trabalhadores da Administração Pública que, tendo-se inscrito na CGA antes de 31 de agosto de 1993, ainda beneficiavam da aplicação do regime específico previsto no Estatuto da Aposentação.


Ao contrário, a medida implementada pelo Decreto agora em apreciação, seja através da redução da pensão, seja por efeito do recálculo de uma parcela da pensão, apenas pretende efetuar uma equiparação nominal entre a parte da remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão de aposentação (nos casos que ainda se regem pelo Estatuto da Aposentação e/ou pelo disposto no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005) e a taxa global de formação da pensão dos beneficiários da segurança social, que é igual ao produto da taxa anual de formação da pensão (que varia entre 2% e 2,3%) pelo número de anos civis relevantes, no máximo de 40 anos (artigos, 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio).


Nada permite concluir, no entanto, que a equiparação da percentagem da remuneração relevante para o cálculo da pensão contribua para promover a igualação de pensões a atribuir a subscritores do regime de proteção social da função pública e do subsistema previdencial da segurança social e eliminar as disparidades entre os dois diferentes regimes de segurança social.


Desde logo, as pensões efetivamente atribuídas em cada um dos casos não são objeto possível de comparação, porque historicamente sempre foram aplicados aos dois regimes critérios diferenciados de cálculo das pensões que ainda hoje persistem nos seus efeitos práticos.

… … …


Como é de concluir, a determinação do montante da pensão, no regime geral de segurança social, através da remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em consonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem inscritos a essa data, de modo a ressalvar direitos adquiridos e direitos em formação, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de transição, que ainda se mantêm em vigor.


Não pode ignorar-se que o regime precedente (decorrente do Decreto-Lei n.º 329/93), independentemente das situações de manipulação deliberada do cálculo do montante da pensão, propiciava objetivamente a obtenção de pensões mais elevadas através do aproveitamento, para efeito do cálculo do montante da pensão, do período contributivo mais favorável da fase final da atividade profissional, e permitia a uma categoria de contribuintes obter pensões de valor elevado que não tinham correspondência com os rendimentos médios declarados ao longo da carreira contributiva.
E isso era particularmente evidente em relação aos titulares de órgãos das pessoas coletivas (cujo enquadramento no regime geral da segurança social foi regulado pelo Decreto-Lei n.º 327/93, de 25 de setembro), que estavam dispensados de contribuir para a segurança social em função das remunerações efetivamente auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua obrigação contributiva tomando como base de incidência um limite mínimo correspondente ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores (artigo 9.º, n.º 1) e poderiam proceder ao pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações apenas na fase final da sua atividade profissional (artigo 11.º).

Este desfasamento entre a carreira contributiva e o montante da pensão, no âmbito do regime geral da segurança social, é especialmente reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 35/2002, onde se afirma que a «alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflete uma dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e intenta-se, por outro, também numa ótica de equilíbrio financeiro do sistema, a eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das remunerações nos últimos 15 anos da sua carreira».


Foi, pois, o Decreto-Lei n.º 35/2002, cujo regime foi aprofundado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, que intentou uma alteração estruturante do regime geral de segurança social, com base em razões de justiça social e de sustentabilidade financeira, visando assegurar que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações auferidas ao longo da vida profissional (quanto à evolução legislativa do regime de cálculo das pensões de reforma no regime geral da segurança social, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 188/2009)


Em contraposição, no sistema da CGA, os subscritores teriam de contribuir com uma quota, em determinada percentagem fixada legalmente, do total da remuneração que competir ao cargo exercido (artigo 5.º do Estatuto da Aposentação) e a pensão de aposentação tinha por base a remuneração mensal relevante - deduzida da quota para efeitos de aposentação, a partir da alteração introduzida pela Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro (artigo 53.º) -, pelo que sempre operou, nesse domínio, uma tendencial correspectividade entre as quotizações dos trabalhadores, com incidência sobre as remunerações efetivamente auferidas, e o direito às prestações, em aplicação de um rigoroso princípio de contributividade.

Neste contexto legislativo, a disparidade detetada relativamente à taxa de formação da pensão entre o regime de proteção social da função pública e o regime geral de segurança social, desligada de quaisquer outros elementos do sistema e da diferenciação existente quanto às fórmulas de cálculo das pensões, não é necessariamente demonstrativa de um benefício ou vantagem patrimonial na determinação do montante da pensão dos subscritores da CGA por comparação com os trabalhadores inseridos no regime geral da segurança social com o mesmo número de anos civis de registo de remunerações (em idêntico sentido, João Carlos Loureiro, Sobre a (in)constitucionalidade do regime proposto para a redução dos montantes de pensões de velhice da Caixa Geral de Aposentações, Coimbra, 2013, disponível em http://apps.uc.pt/mypage/fd loureiro (Escritos), em especial, a págs. 26 e ss.)


E nesse sentido, a igualação da taxa de formação da pensão, considerada isoladamente, não pode ser vista como uma medida estrutural de convergência de pensões nem tem qualquer efeito de reposição da justiça intergeracional ou de equidade dentro do sistema público de segurança social. Representa antes uma mera medida avulsa de redução de despesa, através da afetação dos direitos constituídos dos pensionistas da CGA, destinada a minorar o desequilíbrio orçamental do sistema de proteção social da função pública e que é motivada, em última análise, pela própria opção legislativa de não admissão de novos subscritores na CGA, com a consequente e inevitável impossibilidade de autofinanciamento do sistema.

41. Para além disso, a invocada «convergência» de pensões, entendida como um modo de reposição de igualdade relativamente ao nível de pensões atribuídas no âmbito do regime geral da segurança social, não deixando de revelar alguma ambiguidade, não constitui um critério adequado para justificar a redução de pensões, porquanto objetivamente vem desvalorizar – ou mesmo negar – a solidez e as boas razões das expectativas de continuidade do valor das pensões pagas aos beneficiários da CGA.

A existência num determinado momento histórico de regimes jurídicos diversos quanto às condições e formas de cálculo da aposentação, por certo que resultou do reconhecimento de que havia fundamento material bastante que justificava a diferença. Não se pode considerar que o Estatuto da Aposentação e a disciplina jurídica que o complementava era uma legislação arbitrária, que não tinha sentido legítimo e fundamento sério e razoável. Os funcionários e demais agentes da Administração Pública que se aposentaram ao abrigo desse regime não podiam deixar de confiar que essas regras existiam para os “proteger” na velhice e na invalidez e tinham por objectivo último a concretização do direito fundamental à reforma (artigo 63.º, n.º 3, da CRP).


Se existia um regime diferenciado de cálculo da pensão, nomeadamente quanto à taxa de substituição, isso é imputado exclusivamente ao Estado, que sentiu a necessidade de assegurar de modo diverso a protecção na velhice e invalidez dos trabalhadores da Administração Pública. Aqui, o princípio da confiança torna-se particularmente relevante em conexão com a autorresponsabilidade do Estado, pois o aumento da previsão de confiança só pode ser imputado ao próprio comportamento do legislador. Os beneficiários atuais do regime da Caixa cumpriram todas as obrigações legais que lhes foram impostas em vista a poderem beneficiar da sua pensão; não podiam ter feito outra opção, pelo que agora não poderão ser só eles a suportar a diferença a pretexto da necessidade da reposição da igualdade.


Porém, é precisamente esse o resultado da aplicação de uma medida de redução e recálculo das pensões já atribuídas no âmbito do regime da Caixa. Mas, como referido, neste plano, a convergência não é invocável, uma vez que foi o próprio legislador que disciplinou toda a formação do direito à pensão dos atuais beneficiários do regime da Caixa. Por isso mesmo, a confiança destes relativamente à continuidade e idoneidade desses critérios legais não pode agora ser questionada pelo mesmo legislador, através de medidas desenquadradas de uma reforma estrutural do sistema de segurança social. 

42. Acontece ainda que a salvaguarda da justiça do sistema, tanto no plano intrageracional como no plano intergeracional, exige que as soluções a equacionar sejam perspetivadas em termos do “sistema público global”, e não apenas no âmbito de um dos seus componentes. A circunstância da redução de pensões abranger apenas uma parte dos beneficiários do sistema social convergente – os inscritos antes de agosto de 1993 – isolada dos demais elementos que formam o sistema de segurança social, acaba por ser uma solução inadequada e potencialmente injusta perante o sistema.


Como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 63.º da CRP, o direito à segurança social consubstancia-se na «garantia institucional» de um sistema segurança social, «público», «unificado» e «obrigatório», em que «os beneficiários não podem deixar de o integrar nem de fruir do sistema público, não estando na sua disponibilidade fazerem opting out» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. pág. 815), cabendo ao Estado o papel de garante do sistema e da respetiva justiça e solvabilidade. O “sistema público” de segurança social caracteriza-se, assim, à luz da Constituição, como uma estrutura ordenada segundo um ponto de vista unitário, que se reconduz a um conjunto de princípios fundamentais enunciados no capítulo I da Lei de Bases.


Um dos princípios em que assenta o sistema de segurança social, entendido como um todo em si significativo e de existência assegurada, é o princípio da solidariedade ou responsabilização colectiva (artigo 8.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). Embora com o concurso do Estado, a realização das suas finalidades é uma responsabilidade coletiva das pessoas entre si. Daí que, como já foi referido, seja natural que os pensionistas de qualquer um dos dois regimes acima referidos se considerem titulares de um direito à pensão com igual consistência jurídica: do ponto de vista constitucional, os pensionistas de um ou outro dos dois sistemas são «pensionistas do Estado» enquanto garante do sistema para cujo financiamento contribuíram nos termos legalmente exigidos e, bem assim, de um sistema de segurança social público que deve ser unificado (cfr. artigo 63.º, n.º 2, da CRP).

A solidariedade sistémica, por definição, representa os valores fundamentais da igualdade e justiça na construção do sistema de segurança social. Mas da sua força reguladora não resulta que as eventuais diferenças existentes no passado entre os regimes legais – e que ao tempo eram normais – devam ser combatidas ou “corrigidas” apenas em função das dificuldades de um desses regimes e com sacrifício exclusivo dos direitos já consolidados dos respetivos beneficiários. A solução adequada ao sistema, que se reconhece como justa, terá que ser referenciada à unidade do sistema e não apenas a uma das suas parcelas.


Na verdade, uma solução «isolada» e em contradição com o princípio da responsabilidade coletiva pelo sistema, não é uma solução adequada à unidade do sistema, nem é capaz de assegurar, só por si, a necessária equidade. É que não se pode obter uma solução globalmente justa através de um critério nominalmente igualitário, pois as diferenças de regimes jurídicos existentes em determinado momento foram ditadas pelas necessidades que, em face das circunstâncias existentes, o legislador sentiu dever proteger.


A medida em causa traduz-se numa medida avulsa, isolada, ad hoc, que se concretiza numa simples ablação abrupta do montante das pensões. Ela não se insere num contexto de reforma sistemática, não sendo enquadrada em medidas estruturais que se preocupem em assegurar, de forma transversal, o interesse da convergência a outros níveis. É uma medida que não visa apreender o sistema de proteção social na sua globalidade, perspetivando-o apenas de forma unilateral através da preocupação de corte imediato nas pensões atribuídas pela CGA.


Assim, a adoção da medida concreta não reveste um peso importante para efeitos da prossecução dos interesses públicos da sustentabilidade, do equilíbrio intergeracional e da convergência dos regimes de proteção social, já que esses interesses reclamam por reformas sustentáveis e duradouras no tempo, e não por medidas abruptas e parcelares, com efeitos também volatilizáveis. A prossecução destes interesses, pelo seu caráter estrutural, exige pois medidas pensadas num contexto global dos regimes de proteção social. Ora, as medidas legislativas que visem atingir esses objetivos devem ser ponderadas e concebidas dentro do próprio sistema como uma sua reforma estrutural, sob pena de não alcançarem os referidos desideratos e traduzirem-se apenas em reduções imediatas de despesa, que, face aos seus efeitos imediatos, pouco se adequarão a produzir efeitos de base.


43. A natureza assistémica da medida legislativa de redução do montante das pensões é ainda confirmada pela sua natureza dúbia. Por um lado, a “Exposição de Motivos” justifica-a como sendo uma medida que pretende contribuir para a reforma do sistema; por outro lado, as normas questionadas auto-intitulam-se temporárias, e são acompanhadas de medidas que, independentemente de serem ou não alcançáveis, visam a sua vigência transitória.


A chamada «cláusula de reversibilidade» enunciada nos n.ºs 6 e 7 do artigo 7.º Decreto n.º 187/XII parece justificar-se no mesmo princípio em que assenta a justificação da medida de redução de pensões. Nos termos dessas disposições, a cláusula é mobilizada quando em dois anos consecutivos se verificar cumulativamente: (i) crescimento nominal anual do PIB igual ou superior a 3%; (ii) saldo orçamental não inferior a -0,5% do PIB. A lógica da medida parece ser o princípio da sustentabilidade financeira do sistema previdencial público: a reversão da situação económica-financeira que determina a redução da pensão, transformará os atuais pensionistas em “credores prioritários” do sistema, compensando o sacrifício entretanto sofrido.


Simplesmente, a reversão para a antiga taxa de substituição está em contradição com o alegado caráter estrutural da medida: no caso de eventual melhoria da situação económica, o Estado desconsidera inteiramente a relevância dos interesses que afirmou com a medida de redução de pensões. Neste sentido, a redução de pensões é uma medida conjuntural para resolução de problemas imediatos de equilíbrio e consolidação orçamental e não uma medida que vise a sustentabilidade financeira da Caixa.



44. Uma outra circunstância que afeta e limita desmesuradamente a medida de confiança que os pensionistas têm na manutenção do montante da sua pensão mensal, quando ponderada com os interesses visados pelas normas questionadas, respeita ao modo como se pretende aplicar a redução de pensões.


O requerente argumenta que a transição de regimes acelera e consuma com efeitos imediatos (designada na doutrina por “one shot”) a convergência entre os dois sistemas, tendo como efeito um “encurtamento súbito” da projeção futura da vertente temporal da segurança jurídica dos pensionistas, o qual reclama um juízo de proporcionalidade que, à luz do critério da necessidade, recaia «sobre a exigência e a suficiência do direito que regule essa transição e sobre o nível de onerosidade do sacrifício».


No seu entender, será necessário verificar se a legitimidade constitucional da redução e recálculo das pensões dos atuais beneficiários não exigirá uma «norma de transição» que imponha a redução de pensões de forma suave e progressiva que confira aos pensionistas “tempo” e “fatores circunstanciais” que lhes permitam ajustar o plano das suas vidas às novas imposições sacrificiais.


Nesta construção argumentativa, o princípio da proteção da confiança projeta-se na exigência de disposições transitórias que salvaguardem os direitos e expectativas jurídicas dos pensionistas da «brusca» alteração do regime jurídico vigente quanto ao cálculo da pensão. Como refere Gomes Canotilho «no plano do Direito Constitucional, o princípio da proteção da confiança justificará que o Tribunal Constitucional controle a conformidade constitucional de uma lei, analisando se era ou não necessária e indispensável uma disciplina transitória, ou se esta regulou, de forma justa, adequada e proporcionada, os problemas resultantes da conexão de efeitos jurídicos da lei nova a pressupostos – posições, relações, situações – anteriores e subsistentes no momento da sua entrada em vigor (cfr. Direito Constitucional … cit, pág. 263).


O que o requerente questiona é se a aplicação imediata das normas que impõem a redução e recálculo de pensões constitui a «justa medida» entre o sacrifício do direito a um determinado valor de pensão e a vantagem por ela conseguida para os invocados interesses da sustentabilidade e da justiça intergeracional.


É evidente que as normas questionadas introduzem uma súbita e inesperada diminuição do valor das pensões numa situação jurídica que reclamava estabilidade. Mesmo que se admitisse que os interesses públicos visados pelas normas questionadas – a sustentabilidade financeira e o equilíbrio intergeracional – poderiam justificar a redução de pensões, nos termos impostos pelas normas questionadas, então as expectativas na manutenção daquela estabilidade imporiam que a transição fosse feita com moderação, para que os pensionistas tivessem tempo de ajustar os seus projetos de vida às novas regras. É que os destinatários dessas normas são titulares de direitos com tutela reforçada, cujo âmbito não pode ser restringido sem lhes dar um tempo adequado para ajustarem os planos das suas vidas a medidas com as quais legitimamente não contavam.


Quer dizer: mesmo medidas susceptíveis de satisfazer adequadamente os interesses públicos apontados exigiriam sempre, para uma justa conciliação com as expectativas dos afectados, soluções gradualistas que atenuam o impacto das medidas sacrificiais, pois a sua aplicação abrupta, repentina e de forma inesperada, ultrapassa a medida de sacrifício que o valor jurídico da confiança jurídica pode tolerar. Este aspecto é tanto mais de relevar quanto no passado todas as reformas legislativas acolheram disposições transitórias destinadas a consagrar os direitos em formação.


Nesta ponderação, não pode deixar de pesar a circunstância dos fins a prosseguir – nos termos expostos na exposição de motivos – constituírem interesses económicos de longo prazo que se confrontam com os interesses imediatos legalmente protegidos dos pensionistas. É que, enquanto a ótica da sustentabilidade financeira da segurança social é de médio e longo prazo, o direito à pensão vence-se todos os meses. Daí que, a diferente dimensão temporal do fim a atingir e do meio utilizado, exija, de per si, disposições transitórias que harmonizem em justa medida o sacrifício imposto com a redução da pensão e o benefício por ela prosseguido.


No juízo de ponderação que é imposto pela proteção da confiança, onde se confronta e valora a condição de pensionista, em princípio, sem possibilidade ou impossibilidade de regressar a uma vida ativa que permita recuperar o que lhe é retirado, com os referidos interesses públicos, que podem ser satisfeitos no horizonte mais alargado, a solução justa à luz do princípio da proporcionalidade imporia também que a implementação da medida se fizesse de forma gradual e diferida no tempo. Aplicá-la de uma só vez, seria ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício que a natureza do direito à pensão poderá admitir.


45. Por tudo o exposto, é de concluir que a violação das expectativas em causa – especialmente relevantes, atento o facto de assentarem em pensões já em pagamento, e atento ainda o universo de pessoas abrangidas –, só se justificaria eventualmente no contexto de uma reforma estrutural que integrasse de forma abrangente a ponderação de vários fatores. Só semelhante reforma poderia, eventualmente, justificar uma alteração nos montantes das pensões a pagamento, por ser acompanhada por outras medidas que procedessem a reequilíbrios noutros domínios. Uma medida que pudesse intervir de forma a reduzir o montante de pensões a pagamento teria de ser uma medida tal que encontrasse um forte apoio numa solução sistémica, estrutural, destinada efetivamente a atingir os três desideratos acima explanados: sustentabilidade do sistema público de pensões, igualdade proporcional, e solidariedade entre gerações.


Com efeito, o questionamento dos direitos à pensão já constituídos na ótica da sustentabilidade do sistema público de pensões no seu todo e da justiça intergeracional não se opõe à redução das pensões. Tais interesses públicos poderão justificar uma revisão dos valores de pensões já atribuídas, visto que se conexionam com a alteração de circunstâncias – demográficas, económicas e financeiras – que transcendem as diferenças de regime entre os dois sistemas públicos de pensões existentes. Mas, também por isso, os critérios de revisão a observar terão de efetivamente visar recolocar num plano de igualdade todos os beneficiários dos dois sistemas, só desse modo se assegurando o respeito pela justiça intrageracional. Nessas circunstâncias, será o sistema e seus valores, designadamente a garantia da sua sustentabilidade e a sua equidade interna, a conferir sentido aos sacrifícios impostos aos respetivos beneficiários, desse modo justificando-os e legitimando-os à luz do princípio da tutela da confiança.


Em suma: a redução e recálculo do montante das pensões dos atuais beneficiários, com efeitos imediatos, é uma medida que afecta desproporcionadamente o princípio constitucional da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.



III. Decisão.

Atento o exposto, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII, com base na violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.


Lisboa, 19 de dezembro de 2013 – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros (com declaração) José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita (com declaração) – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral - Joaquim de Sousa Ribeiro



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